
Nos fragmentos filosóficos particularmente longos do filósofo dinamarquês Soeren Kierkegaard (1813 -1855) encontramos: “observe, o sofrimento do homem não é sua morte, mas sua vida toda é uma história de sofrimento; e é o amor que sofre, o amor que se dá do nada. Que admirável renúncia!” Com isto ele está lamentando a morte do amor, e como o desespero e temor tomou seu lugar. A modernidade encontra seu significado no sofrimento. Vivemos em um mundo sob controle negativo, sempre há demandas e códigos de conduta que nos são dados pela nossa sociedade ou de nossa história pessoal, e nos engajamos neles para evitarmos a punição. O amor se tornou um servente egoísta de necessidades imediatas e um escape de manipulação.
Kierkegaard via o temor da morte tomando o lugar do amor, Sartre viu a asfixia entrando na cena e para Nietzsche a conclusão era que o bem estava morto. Pois certamente, se Deus é Amor e amor não é sofrimento e auto-engano – o Deus dos antigos morreu com a chegada da modernidade. O que aconteceu foi que com as meditações e subsequentes experimentações de Descartes para provar a ordem divina, ele também pavimentou o caminho para o dualismo moderno. Era suficiente que fosse uma matéria perceptível aos sentidos e a percepção de nossos arredores, auxiliados por uma forma inferior de razão que abriram espaço para racionalizarmos para longe de Deus. Hoje em dia, pensamos em Deus de formas muito personalizadas, e vemos deus em nós mesmos e não mais um reflexo divino. Para os antigos, como Platão, Porfírio, Tomás de Aquino e Marsilio Ficino, Deus era amor. Então, ao expulsar Deus da equação do ser, expulsamos o amor. Não que Deus SEJA amor com tal, mas é através do amor que ganhamos o conhecimento dos perimetros divinos que definem a tangibilidade divina.
Com o cartesianismo, a ação à distância foi negada. Não havia mais graça ou raios divinos, e o homem se fechou em um universo corpuscular onde ele mesmo se tornou o autor de seu próprio destino, de acordo com a posição do nosso corpo em tempo e espaço.
O dualismo moderno não é está na relação da crença em bem e mal, não está na crença da queda e redenção, mas na crença ou descrença. No dualismo, a crença em amor e Deus, se tornou uma escolha pessoal. Disto se ergue o desespero, porque nos sentimos alienados e perdidos – não estamos mais conectados. Quando Baudelaire descreveu o amor como uma fonte de sangue que jorrava para que as prostitutas bebessem, ele mediu o temor e a alienação de formas que transcendem o temor e sofrimento de Kierkegaard. Para Baudelaire, a alienação da fonte se tornou uma vala de infecções e seu amor uma paixão de miséria e angústia.
Com Descartes a razão foi deslocada das emoções e do corpo; se tornou o monitor encarnado da verdade. O resto eram somente leis estéreis, e enquanto se poderia realizar um pensamento racional sobre a matéria, a com racional me referia-se à percepção diligente das atividades da matéria. Mas a percepção mental da matéria irá somente se engajar em uma 'admirável renúncia' – juntamente com o sofrimento naturalmente surgirá daí. O Homem é mais do que seu corpo, o Homem é microcosmo, a imagem divina da ordem celestial, a amálgama é amor. Então, por amor e bondade, pela compreensão de nossa participação em todas as coisas visíveis e invisíveis, podemos também alcançar as vias de nosso destino feliz, e se tivermos coragem o suficiente, podemos bater às portas de Eros...