Como a Bruxaria pode ser compreendida de um ponto de vista Tradicional? A questão demanda um esclarecimento de termos, especificamente o que é bruxaria e em que implica o termo ‘tradicional’. Começando pelo último, tradição, são dadas muitas interpretações estranhas, muito comumente falando de sua hereditariedade arcana, e de formas puramente lineares e modernamente históricas. Isto significa que nossa cosmovisão moderna tende a impor uma hegemonia entre oposições, visando o consenso que não é necessariamente verdadeiro, mas que reflete uma aliança gerada pelo discurso contemporâneo. Isto deve nos dizer que os termos modernos tendem a ser frágeis, como todo discurso é por natureza frágil e volátil – sujeito às mudanças discursivas como são. A fragmentação da verdade em opinião pessoal, e a dificuldade entre a oposição para se alcançar a verdade testemunha a dificuldade de se descobrir o que está realmente no nome, um termo e um conceito. Isto porque hoje a verdade é significada pelo acordo, não pela descoberta do que é. Verdade, como Platão disse, é o que é belo e bom. Adotando-se estes adjetivos como apropriados, significa que verdade deve ser tanto bela – quanto boa. Platão compreendeu que o que é bom, deve possuir um apelo racional e levar a uma sensação que deveremos chamar amor, e assim isto deve ser abraçado e levar às boas ações. É aqui que a beleza entra. A afirmação de beleza valida a idéia racional.
A lógica é simples; se sua verdade gera malícia, é uma mentira.
Existem vários tipos de malícia, que variam dos ‘renascidos’ cristãos (n.t. Evangélicos), que se vêem como salvos, mas a todos os outros condenados ao hedonismo satânico, que se vêem como ‘o todo’ e o ‘fim de tudo’, partindo de uma perspectiva proveniente da mesma escala. Isto nos diz que estas avenidas de crença não podem ser tradicionais, graças ao seu nível de fonte.
Bem mais simples, uma cosmovisão tradicional enfoca no Um e vê todo o resto como radiações do Um. Falamos de um monismo que rejeita antagonismo como uma parte de seu mistério. Em simples palavras, falamos de uma certa ordem, bem replicada na frequentemente usada metáfora e alegoria da cadeia dourada que estende do trono do Um aos mais tenebrosos quadrantes da matéria. Significa que tudo o que existe, EXISTE por causa do Um. É sua essência divina que penetra a tudo – mas junto à cadeia dourada que nos fala da distância do trono.
Esta distância tende a ser infusa de julgamentos morais, mas uma moral que reside em uma ética que não posiciona a humanidade, a geração, mas o homem, o indivíduo, em posição de julgamento. Desta posição, vários atos, impulsos e preferências se revelam em uma medida que clama validade maior do que sua constituição. Esta distância separa os reinos, mas isto não fala automaticamente de qualidade na escala de bom ou ruim. O que temos é uma sucessão de abertura às impurezas que no último instante fala do reino acima. O reino das plantas é geralmente visto como o mais inferior, mas em cada planta repousa sua estrela. Então, bem ou mal não fala de distância, mas muito mais sobre postura. E nisto encontramos a idéia de pecado, a perda da meta. Novamente, vemos como os julgamentos morais nublaram a tradição, como hoje em dia “pecado” é compreendido como algo ruim que fazemos, não interessa quem somos e qual seja o nosso destino.
Se enxergarmos a criação como uma teia de inter-relações onde o desafio é perceber onde as peças se encaixam, estamos mais perto da verdade do que qualquer condenação. Isto significa bem sobriamente que algo tradicional é realmente passado através das gerações, material ou espiritualmente, mas no espírito da verdade, o que significa que precisa ser bom e belo. A bondade e beleza das tradições se tornam marcas que lhe fazem genuína. Se aceitarmos então esta apresentação de tradição, onde colocamos a bruxaria?
Novamente, a questão coloca uma demanda de esclarecimento. A Arte da Bruxa; o que é uma Bruxa e o que é a Arte? E novamente nos deparamos com rótulos impostos sobre o sujeito, e mesmo assim, quais são os elementos na percepção européia da Bruxa?
É alguém isolado dos “civilis”, alguém considerado o possuidor de uma maior percepção nas obras secretas da natureza e a habilidade de curar ou amaldiçoar. Sigilo e sensualidade andam de mãos juntas com a solidão e o macabro. Estamos falando de um grande contraste que se ergue da maestria da mão esquerda e mão direita. Uma maestria impossível de se possuir se a pessoa não está alinhada com o eixo que se estende ao ‘Polo Norte’. Desta perspectiva a Bruxa se torna a devota de Vênus, filha do Sol, e a Arte é o campo da fertilidade, que varia do crescimento das plantações ao crescimento da sabedoria. Seu terreno é o interior, os reinos silvestres de florestas e lagos, rios e montanhas. Em suas mãos a amável Vênus carrega a promessa de ascensão honesta e as sementes da corrupção, como ditas no imaginário poético que coloriu a história noturna da humanidade. A Arte de Vênus é o dom da magia naturalis, e seu veneno é o desafio que repousa no poder e domínio. É daqui que temos as raízes da Bruxa como observadora vigilante do curso da essência divina, seu desdobramento em espírito e matéria, e o ‘malefício’ contra-produtivo que ataca o mundo e a natureza, deslocado e consumido por seus próprios ‘nafs’ e inclinações inferiores que convidam a ilusão da matéria como superiores ao espírito, o ser manifesto superior ao seu não-manifesto e infinitas possibilidades. E é aqui que é encontrada a divisão nascida pela aceitação da divisão da matéria como essencialmente diferente de sua origem. Esta é a primeira conjunção no caminho, onde encontramos Janus Bifrons abrindo duas avenidas – e aqui encontramos a Arte propriamente, e sua mímica pálida e atroz, sua inversão.
Escolha bem os passos no caminho.