O escritor Nicholaj Frisvold e a representante da Editora Rosa Vermelha, Letícia Lobo, em uma conversa animada na estréia do livro realizada na Saraiva Megastore, em Curitiba. |
Editora Rosa Vermelha - Como surgiu a idéia de escrever um livro? Como surgiu o interesse por este tema específico?
Nicholaj - Sempre gostei de estudar e escrever, desde quando aprendi a ler e escrever. Para mim, as palavras sempre carregaram um efeito magnético. Meus primeiros escritos foram romances e poesia, e minha primeira publicação foi uma coleção de poesias, em 1988. A idéia de escrever livros educativos ao invés de romances nasceu claramente da combinação do interesse acadêmico, da percepção de que há pouca disponibilidade de livros sólidos que abordam a magia popular de maneira séria e verdadeira e de meu próprio envolvimento, como peregrino das Artes desde os quinze anos.
ERV - Este livro já foi lançado em algum país? Quando?
Nicholaj - Arts of the Night, a versão em língua inglesa, foi lançada em 2008.
ERV - Do que trata o livro?
Nicholaj - O livro aborda a idéia da bruxaria como uma realidade poética que pertence à humanidade em uma sucessão de orientação ocidental desde a Mesopotâmia. A bruxaria é tratada como uma parte importante e integrada de nossa herança como seres humanos. Dado o ritmo acelerado em que nosso mundo se torna cada vez mais cético e materialista, acabamos perdendo os valores tradicionais implícitos nos reinos invisíveis, descartados como supersticiosos.
ERV - Ainda virão mais livros? São uma continuação do “Artes da Noite”? Já tem os títulos? Serão quantos livros? Quais os temas?
Nicholaj - Sim, vários. O próximo livro ainda trata do mesmo tema, bruxaria, mas enfoca a prática bem como os princípios que fluem sob ela. Dois livros sobre crenças de inspiração congolesa, Palo Mayombe e Kimbanda deverão ser lançados em breve. E, lógico, não poderia deixar de escrever sobre as inspirações mágicas no sexo e erotismo.
ERV - Como foi o início de seu contato com o ocultismo?
Nicholaj - Deixe-me primeiro ressaltar que não me considero um ‘ocultista’ tal como é crença comum. Aprofundei-me em metafísica tradicionalista, o que produz uma perspectiva sobre o mundo e o ‘mistério’ que não se interessa e nem tem a necessidade de ‘ocultar os mistérios’. Meus primeiros encontros com o reino invisível começaram quando eu ainda era um menino e eram muitas vezes assustadores. Quanto mais eu tentava encontrar sentido nisto, menos encontrava satisfação nas explicações ditas ‘racionais’ da ciência contemporânea. Foi assim que comecei uma busca sincera para entender o mundo, a ambos, o visível e o invisível. Com o mesmo empenho que busquei as vias acadêmicas, estudando psicologia social e antropologia, busquei também o contato, informação e treinamento em diversas tradições espirituais.
ERV - As pessoas relacionam a Bruxaria com o Mal, esta é uma visão correta?
Nicholaj - A idéia do “Mal”é muito complexa, e às vezes muito real. Acredito que com o conhecimento chega a compreensão tanto do bem quanto do mal. A idéia do “mal” também mudou através da história. O homem moderno percebe a bruxa medieval muito mais como uma tolice supersticiosa do que um mal real – exceção feita, claro, pelos cristãos pentecostais, que dependem da existência do mal para que seu culto seja possível. É suficiente ler os jornais e observar as caçadas de bruxas no oeste da África e ver como o pentecostalismo é fascinado com a existência do mal invisível a ponto de se tornarem irracionais. Na história, mitologia e literatura, fica claro o papel da bruxa como elemento de desafio, que testa a resistência da virtude do herói. Como a bruxa se transforma em uma despachante do ‘maligno’ é uma das idéias que espero que o leitor faça por si, o que faço é delinear esta figura como retratada através da minha pesquisa.
ERV - Por que a maioria das pessoas tem esta visão da bruxaria?
Nicholaj - É a conseqüência do espírito materialista dos tempos modernos, onde o valor de um indivíduo é medido pelos seus bens materiais, de racionalismo empírico e puramente mercadológico. É um tempo que possibilita a escolha de não se acreditar mais em Deus. Isto não era uma opção antes de Descartes. A bruxa arquetípica se tornou fantasia, ora um personagem da Disney, ora uma personagem neo-hippie que convincentemente anuncia que só pratica ‘o bem’. Espero contribuir para mudar esta percepção.
ERV - Qual a importância da bruxaria na história? O que ela gerou?
Nicholaj - Se abordada com interesse, acredito que podemos experimentar uma maior compreensão da nossa crua humanidade, de nosso senso de individualidade religiosa e de percepção dos múltiplos papéis espelhados na jornada humana. Sua poesia invisível fortifica nossa experiência com sentido. A bruxaria sempre foi o tecido dos contos de fadas, o manancial vívido dos sonhos, inspirações e consolo.
ERV - Como a Bruxaria é vista pela antropologia?
Nicholaj - A tendência, não só da antropologia, mas geral, é observar os ‘fatos’ de uma perspectiva que assume a civilização ocidental como a mais avançada de todas. Se outra cultura traz valores diferentes do paradigma ocidental a tendência ainda é a de diminuí-la. Aos poucos surgem alguns antropólogos corajosos que procuraram envolvimento com o que estão estudando, e aos poucos admitem estas possibilidades, antes rotuladas como superstição, como possíveis realidades. Um exemplo mais recente foi a etnografia de Todd Ochoa sobre Palo Mayombe, ‘Society of the Dead’, que demonstra com excelência como estas duas vertentes estão ligadas, resultando em um estudo que toma a experiência religiosa do praticante de forma séria, bem como segue o escrutínio acadêmico ao tratar o material em mãos.
ERV - Como foi o lançamento do livro no Brasil? O que você espera deste livro com relação ao público brasileiro?
Nicholaj - Antes do lançamento havia um interesse massivo no livro, muitas pessoas entrando em contato perguntando quando ele seria lançado no Brasil. Pessoalmente acredito que o público brasileiro esteja, atualmente, preparado para receber este livro, pois até agora têm sido servidos por uma maioria de autores que partem de duas perspectivas completamente opostas, de religiosos ou de acadêmicos. Espero que este livro se torne uma inspiração a outros que queiram expressar suas perspectivas, independentes da rigidez acadêmica, mas fornecendo clareza, abrangência e fundamentação típicas dos estudiosos sérios. Também espero que os peregrinos das Artes possam expandir seus horizontes ao compreender a origem de suas crenças, concordando ou discordando do que delineei no livro, exatamente para estimular este tipo de debate.
ERV - Qual sua nacionalidade? Quais suas ligações com o Brasil? Como antropólogo, como você vê o Brasil?
Nicholaj - Sou norueguês. Visitei o Brasil pela primeira vez há nove anos em uma pesquisa de campo sobre os cultos de inspiração africana no Brasil, em particular a Kimbanda. Devo admitir que apaixonei-me pelo país e pela mulher que viria a ser minha esposa. Não gostaria de viver em qualquer outro lugar. Brasileiros são criativos e bons companheiros, a terra é vibrante, verde e bela. Isto é paraíso!
ERV - Quer deixar algum comentário?
Nicholaj - Gostaria, em primeiro lugar, de agradecer a oportunidade desta entrevista. Espero que meus livros aqui no Brasil possam ser recebidos como uma fonte de informação honesta e confiável, capaz de expandir nossa apreciação pela riqueza e diversidade espiritual no mundo. Uma parte de meu projeto pessoal é minimizar o vão entre a espiritualidade e a vida cotidiana, pois hoje há uma tendência em enxergar o sagrado como algo separado da atividade ordinária. Se trouxermos o sagrado de volta a nossas vidas, acredito que isto enriquecerá e iluminará nossa existência e a experiência da vida.
O livro Artes da Noite pode ser encontrado na rede de livrarias Saraiva e através da própria Editora Rosa Vermelha, com uma Super Promoção de Lançamento . Confira!